terça-feira, 21 de agosto de 2012

Humanidade de Deus

Deus mora na saudade, ali onde o amor e a ausência se assentam. Sentir Deus? Ter comunhão com ele? É sentir a nostalgia pelo Reino, é gemer com a criação toda, sentindo dentro de nós mesmos o futuro que vai crescendo, como gravidez...Aí, na terra da saudade, fazemos nossa habitação.

Somos imigrantes, sem descanso, sem parada, sempre a caminho. Não há lugar para reclinar a cabeça. Como plantas arrancadas, raízes à mostra, de terra seca... Exilados, construímos nossos ninhos em árvores do futuro. É assim, a caminho, que construímos nossos toscos altares e queimamos nossos sacrifícios (Romanos 12), entoando, como canção, o nome desta saudade sem fim, Jesus Cristo. E pedimos que ele dê pão e vinho à nossa nostalgia, contando-nos de suas esperanças, os corpos livres, alegres, fraternos, brincantes no Reino de Deus, realização das bem-aventuranças.

E ele começa. Mas vem o espanto. Esperávamos que ele falasse sobre coisas divinas. Mas ele só fala sobre coisas humanas. Pequenas. Sobre as delícias dos céus e dos terrores do inferno apenas um discreto sussurro, quando não um silêncio. Mas diz da tranqüilidade dos pássaros, da beleza dos lírios silvestres, dos sol que nasce sobres bons e maus, também a chuva; e conta dos meninos que brincam de dançar e tocar flautas; vai a festas, introduz, em meio aos festejos, o seu vinho; diz da pureza de coração; mostra que a vida é mais importante que as leis, entristece-se com as nossas angústias, o medo do futuro, o desejo de mandar e aparecer, querer ser mais importante; prefere a companhia dos marginais e desprezados aos salamaleques dos que usam desodorantes sagrados; ri-se dos poderosos (mesmo sabendo do perigo...); antes a adúltera, que pecou por amor àqueles que, virtuosos pela idade e pelo medo, estão com pedras na mão; come e bebe com homens e mulheres comuns, fala de maneira enigmática, por saber que não se devem lançar pérolas aos porcos (aos porcos, a lavagem); conta estórias que causam espantos, em que os vilões da vida real aparecem como vilões... Mas estas são coisas deste mundo, acerca de homens e mulheres, crianças e velhos, bichos e árvores. É. Ele fala sobre o nosso mundo. Fala sobre a vida. Fala sobre nossos corpos. Fala sobre risos e lágrimas. E trememos de horror. A razão? É que queremos ser mais espirituais que o próprio Deus. Onde ele nos fala da vida, do corpo, do mundo, preferíamos que ele nos tivesse falado de segredos do além-túmulo.

A humanidade de Deus nos incomoda. Isto mesmo: a humanidade de Deus. Coisa que os primeiros cristãos descobriram com espanto. Corrijo-me. Não é que os cristãos, depois de solidamente cristãos, tivessem descoberto a humanidade de Deus como algo mais sobre que falar, algo que se podia acrescentar às suas idéias teológicas... A verdade é o inverso. Foi quando eles entenderam que para falar de Deus é necessário deixar de falar de Deus, e falar sobre um homem, um rosto, uma vida... Foi então que eles ficaram cristãos.

Deus para falar de si tornou-se homem. Falar sobre Deus é falar sobre um homem. A palavra se fez carne. Nosso irmão. Um de nós. Nasceu, viveu, morreu...

Se alguém me perguntasse: “Quem é você?” Sabe o que eu diria? Primeiro vou dizer o que eu não diria. Nada falaria sobre meus intestinos, sobre meus dentes, sobre, sobre minha pressão arterial. Sabe por quê? Estas coisas não nos ajudam a sorrir um para o outro. Mas tudo ficaria diferente, se eu falasse sobre meus sonhos, as coisas de que gosto, saudades e esperanças. Aí, neste dizer de desejos, talvez descubramos que podemos nos tornar amigos, caminhar juntos... Ou talvez descubramos que nada temos em comum, que nossas solidariedades são distintas, ah! É sempre assim. “Como andarão dois juntos se não estiverem de acordo?” E os fortes e os fracos tomam caminhos diferentes, os que querem preservar o presente e os que querem que deste presente surja um novo mundo...

Nós não somos a substância de que somos feitos: carne, ossos sangue. Somos feitos dos nossos desejos, as nostalgias, o amor que nasce desta carne, pelo sopro milagroso de um vento que anda por aí... Como se o Espírito de Deus nos engravidasse .“Quem é nascido da carne é carne. É-vos necessário nascer de novo”.

Sabe, ás vezes bem que gostaríamos de saber do que é que Deus é feito. Conhecer sua substância sagrada. E muitas folhas de livros de teologia e de catecismo foram escritas para descrever as propriedades maravilhosas da carne de Deus, Jesus de Nazaré. Perda de tempo. Os cristãos descobriram que este homem, Jesus de Nazaré, é a resposta de Deus à pergunta: “Quem és?” E ele nos responde, não com um tratado de anatomia/fisiologia, mas nos conta seus desejos. Deus é amor. E o seu sonho de amor, ele nos conta. Coloca-o vivo, entre nós. Jesus de Nazaré, é o desejo de Deus. É a sua escolha. Coisa mais bela, mais linda, mais gostosa não pode existir.

“Que é que você vai ser quando crescer?” – é assim que a gente fala com meninos e meninas. Se, sem faltar à reverência pudéssemos fazer pergunta parecida a Deus, ele nos diria: “Pois vocês ainda não sabem? Ainda não lhes contei? Contei e vocês não prestam atenção. Acharam que era brincadeira. É, eu quero ser Jesus de Nazaré. Eu sou Jesus de Nazaré. Sou um homem comum. Sou todos os homens e mulheres comuns. Especialmente aqueles e aquelas que sofrem. Os fracos, os abandonados... ‘Quando fizestes a um destes meus pequeninos, a mim o fizestes’. Não existe nada melhor que ser homem, ser mulher, ser criança. Não, não quero homens e mulheres desencarnados/as. Que os corpos sejam ressuscitados. Não, não quero o fim do mundo, dos bichos, das árvores, dos mares, da brisa. Tudo isto é muito bom. Que tudo seja redimido. A terra ainda há de ser um lugar de riso e de brinquedo. É isto que eu quero, este é o meu desejo. E é por isso que meu espírito continua a ser um Espírito que ora. Orar é falar com desejo, com amor. E eu mesmo intercedo, com meu desejo e meu corpo, corpo de Jesus e”. Corpo de todos os que sofrem, criação inteira, gemendo, em parto, na espera/esperança...”







Por: Ruben Alves

Nenhum comentário:

Postar um comentário